A publicação recente da Lei 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, implicou consequências diretas na forma de atuar de magistrados, ministros, desembargadores e conselheiros. É que, por exemplo, a simples motivação legal para aplicação de sanções, sem considerar as circunstâncias fáticas que motivam uma conduta, não mais atende à fundamentação como comando constitucional previsto no artigo 93, incisos IX e X, da Constituição.
Hoje, mais do que antes, de suma importância que a motivação daqueles que julgam ou controlam os atos jurídicos, leve em conta as circunstâncias fáticas do caso concreto, bem como àquelas envoltas à figura do próprio agente que praticou a conduta, pois só assim, teremos julgamentos consentâneos com a realidade.
Essa mudança de postura já começa a ser externada na jurisprudência brasileira. É o caso do recentíssimo Acórdão 1.628/2018 – Plenário do Tribunal de Contas da União, em que o relator, ministro Benjamin Zymler utilizou o conceito de "erro grosseiro" previsto no artigo 28 da Lei 13.655/2018 para deixar de sancionar um servidor municipal, levando em consideração, dentre outros, a situação fática que permeava a prática da conduta supostamente irregular.
No caso, o Tribunal de Contas da União tinha por objetivo avaliar a legalidade da gestão dos recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS), utilizados pelo município de Balneário Camboriú à terceirização das ações de saúde, cujos indícios de irregularidade concentravam-se nas condutas de servidores municipais que conduziam essas terceirizações, em grande parte por dispensa de licitação, já que as empresas contratadas tinham como sócios servidores da municipalidade.
De modo sensível e em atenção ao que convencionei chamar de princípio da realidade, expressamente previsto no parágrafo 1º do artigo 22 da Lei 13.655/2018, segundo o qual as decisões sobre a regularidade de condutas devem considerar as circunstâncias práticas que impactaram ou conduziram a ação do agente, o ministro Benjamin Zymler demonstrou – acertadamente em meu sentir – que um dos servidores públicos responsáveis havia sido induzido a erro. Isso porque, as empresas contratadas, sempre por dispensa de licitação, prestavam serviços ao hospital desde junho de 2012, o que, aos olhos do Ministro, permitiu concluir "que não havia por parte da administração local a preocupação em se verificar se os sócios das empresas detinham vínculo profissional com a municipalidade." Nesse sentido, o servidor municipal foi levado a falsa presunção de que as empresas estavam regulares, já que prestavam há tempo aquele serviço.
Além da questão do tempo, o ministro também foi sensível ao detectar que a ausência de parecer jurídico ou manifestação do Tribunal de Contas Estadual acerca do procedimento correto a ser adotado contribuiu para que a pregoeira consumasse o erro, tendo permanecido agindo "de acordo com a prática comumente adotada na municipalidade, sendo que caberia às autoridades superiores a revisão de tal metodologia para adequá-la ao entendimento desta Corte de Contas".
Diante disso, o Ministro Relator optou por não aplicar qualquer tipo de sanção à pregoeira, em que pese a ocorrência da falha, já que a mesma foi induzida a erro por uma circunstância fática comumente praticada no Município.
De modo diverso, e aí trazendo o conceito de erro grosseiro, o Ministro Relator optou por sancionar a autoridade homologadora das contratações, eis que essa, além de não adotar qualquer conduta para impedir a ocorrência recorrente de falhas (contratar por anos empresas cujos sócios integravam os quadros de servidores da municipalidade), "induziu pessoas a ela subordinadas, inclusive a mencionada pregoeira, a supor que tal prática era lícita".
Assim, o ministro chegou a congruente conclusão de que "a conduta desse responsável foge do referencial do “administrador médio” utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação." Tratando-se, portanto, em suas palavras, "de erro grosseiro, que permite que os agentes respondam pessoalmente por seus atos, nos termos do artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com redação dada pela Lei 13.655/2018)".
Como se pode notar, o julgado, debruçando-se sobre as circunstâncias fáticas comumente praticadas no Município, demonstrou preocupação para com a nova postura exigida pela Lei 13.655/2018, proporcionando, um julgamento absolutamente coerente.
Decisões como essa remontam a esperança em país tão desacreditado como o Brasil. Que a onda de coerência seja disseminada pelos Tribunais brasileiros pelo princípio da realidade.
Fonte: Conjur.